Passei na casa
dele. Parei o carro em frente, bati palma e nada. Palma de novo e lá de dentro
a esposa grita: Tá não, saiu. Oi Renato – foi falando já na varanda – ele foi
ver uma cadeira de leitura pra ele. Eu disse que passaria de volta lá pras duas
da tarde. Eram umas nove e meia da manha. Quatro horas e meia dá pra se comprar
uma ruma de cadeira.
Me atrasei e
passei já eram quase quatro horas. Nada dele ter chegado. Resolvi ligar pra ele
então. Vai que tinha tido algum problema com o carro, com o transporte da
cadeira. Poderia ser útil pra resolver alguma coisa. Falou bem aperreado comigo
no celular. Só deu pra entender que estava muito ocupado escolhendo a tal
cadeira de leitura. Não iria chegar em casa nem tão cedo. Pediu pra que eu
dissesse à esposa que não esperasse ele pro jantar. Marcamos no outro dia logo
cedo. Sete da matina em ponto, porque quinze pras oito ele tinha que sair pra
academia, que ele faz diária e sagradamente às oito e trinta e cinco. Depois
iria continuar a sua busca ao encontro da cadeira de leitura perfeita. Não
teria mais tempo durante todo o dia.
Cheguei cinco
pras sete. Ele abriu a porta pontualmente às sete. Resolvi com eles uns
detalhes sobre a diagramação do meu livro e perguntei que diabos de cadeira era
essa tão difícil de encontrar. Ele me contou:
“Rapaz, faz
tempo que não me dedicava à literatura normal. Só tinha tempo pra ler livros
técnicos. Coisas do meu trabalho ou publicações correlatas. Os romances, livros
de contos ou crônicas estavam ficando cada vez mais esquecidos. Nunca tinha
tempo ou disposição para ler. Passei a levá-los para as minhas viagens para o
interior onde mora a minha sogra. Casinha sossegada, distante da cidade, aquele
silêncio o dia todo. Acordo cedo, antes do burburinho da casa, me sento em uma
cadeira no alpendre e é uma beleza. Leio o livro quase todo no fim de semana.
Tava
pesquisando o motivo e descobri: A cadeira. Para ler você precisa estar
confortavelmente sentado, com as pernas na posição certa, os braços devidamente
apoiados, a coluna bem estabilizada, encosto pro pescoço e uma ruma de detalhes
de suma importância. Só assim a pessoa consegue ler bem. A leitura vira puro
prazer.”
Do jeito que
ele tava falando parecia que o livro era apenas um coadjuvante. Um bom livro em
uma cadeira ruim não é nada. Mas não era isso. Ele apenas conjugava o verbo ler
com o corpo todo e com direito ao entorno. Tem razão, por sinal. Se não
estivermos confortáveis não conseguiremos nos concentrar cem por cento na
leitura.
Me mostrou uma
porrada de catálogos de cadeiras e apontou duas como as melhores. Ia tirar a
dúvida à tarde e jurou de pés juntos que só chegaria em casa com a cadeira
comprada.
Mas não
conseguiu cumprir a jura. Tinha chegado uns modelos novos e tinha embananado a
leitura toda, digo, a decisão toda. Seria preciso mais uns dois dias pra
escolher o modelo, depois ver com a esposa a cor pra combinar com a sala e só
depois conseguiria se decidir. Saiu da última loja já umas dez da noite,
enxotado pelo gerente que já tinha colocado vassoura de cabeça pra baixo atras
de cada porta da loja. Saiu com mais dúvidas do que chegou, contou a esposa à
noite.
Pra você não
pensar que ele não faz nada, ele tava de férias.
Quarta-feira
de manhã, logo depois da academia foi continuar a saga da compra da cadeira.
Pra resumir, entre indas e vindas em casa para dormir, ele experimentou 37
cadeiras até sábado de meio dia. Experimentar significava ler, pelo menos, dois
capítulos de um romance por cadeira, ou o correspondente a umas 30 páginas.
Mas como eu
não sei se a cadeira que você está lendo essa crônica é confortável ou não,
chego logo ao sábado 13:45 h, quando ele finalmente comprou a cadeira.
Ficaram de
entregar na segunda-feira à tarde. Seria a primeira entrega do turno.
Passo na casa
dele na terça e a esposa me recebe e me manda entrar. Ele estava lendo na sala.
Encontro ele lá. Bem sentado, livro na mão, luz perfeita.
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Finalmente a compra dessa cadeira saiu. Agora sim, você vai poder ler os seus
livros de literatura numa boa. Tá lendo o que? Algum clássico? Literatura
nacional? Algum lançamento?
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Que nada. Tô aqui com uns catálogos de encosto para os pés.
E antes que eu
falasse alguma coisa já foi emendando:
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A posição dos pés na hora da leitura é muito importante, num sabe. O fluxo
sanguíneo....