terça-feira, 17 de novembro de 2015

Carta a Seu Jorge

Seu Jorge,

Estou lhe escrevendo para tirar uma dúvida de uma amiga minha e só você pode me ajudar. O caso é o seguinte:
Estava em casa numa sexta-feira, antes de tomar a primeira, quando Carol me manda uma mensagem pelo Whatsapp. Ela estava num barzinho tomando uma cervejinha com o marido e a filha (Infelizmente a cerveja não era uma Karavelle), e foi logo dizendo o problema:
___ Natchu, estamos aqui bebendo e escutando aquela música de Seu Jorge: Você acredita que o orelhão tava escangalhado? Que o cartão tava zerado, a ponte engarrafou, aqueles negócios tudinho?...... . Porque uma pessoa que diz “Pretinha, eu faço tudo pelo nosso amor”, num vai pedir um celular emprestado pra ligar? Num vai andar até duas ou três esquinas pra encontrar outro orelhão?
Em resumo ela queria que eu dissesse a minha opinião. Se eu acreditava ou não que a ponte tinha engarrafado, que por isso o cara tinha ficado a pé e que juntamente com isso ele tinha tentado ligar pra pretinha dele e não tinha conseguido, pois além do cartão telefônico dele estar zerado, o orelhão ainda estava escangalhado. Ela tava achando muita desculpa junta pra uma coisa só e muito pouca ação pra quem faz tudo por amor.
Seu Jorge, deixe eu lhe deixar a par das opiniões: Carol acha que o cara tá mentindo descaradamente e ponto final e que por causa disso fica prejudicada a parte que ele diz que faz tudo pelo amor da pretinha.
Já o marido dela jura de pé junto que é tudo verdade. Que realmente tudo isso aconteceu. Que ele passou por esses perrengues todos e que nada disso invalida o tudo que ele faz pelo amor deles.
Antes de dar a minha opinião, lembro que ela insistia, entre os argumentos, que ele poderia ter pedido o celular emprestado de alguém pra ligar, o que o marido refutou de pronto, pois segundo ele, violão, mulher e celular não se empresta e nem se pede emprestado.
Com relação ao celular, vale contextualizar que a música, de quando você ainda fazia parte do grupo farofa carioca, data de 1997. Celular ainda era um artigo de poucos e os recursos eram mínimos (a grande inovação nos de 97, só pra se ter uma idéia, era a moderna antena interna como a do Nokia 6110). Então vamos logo tirar essa culpa do cara da pretinha. Naquela época não era tão “zap” assim a comunicação por telefonia móvel.
Sei que a palavra final será a sua, já que você é o dono da música e por isso ninguém conhece mais o coração do cara da pretinha do que você, sei também que, como dizia o outro poeta musical Gilberto Gil em sua “metáfora” não devemos exigir do poeta que determine o conteúdo e o sentido exato de seus versos, mas vou tentar dizer o que entendi da história.
Morador de São Gonçalo, cidade vizinha a Niterói, nosso herói, pelo que se pode concluir namora uma mina da cidade do Rio de Janeiro. Ele é louco por ela, isso não resta dúvida, realmente faz tudo pelo amor dos dois. Ele marcou um rolé com a pretinha, mas, você sabe como é, deve ter rolado um futebol, depois uma resenha, uma cervejinha (que mais uma vez não era Karavelle que ainda não existia) e.... Puta que pariu! Esqueci que tinha que sair com minha pretinha e agora?
Aí, amigo, é carregar na desculpa pra ver se pelo menos uma cola, mas realmente sem nenhuma maldade. Futebol tranqüilo, resenha só com os chegados, cervejinha só pra relaxar, nada de azaração. E depois só pra confirmar e convencê-la de uma vez por todas ele promete até casamento, com direito a cartório, igreja, troca de anel e tudo mais e ainda é humilde o suficiente pra dizer: tudo bem, eu sei que pisei na bola, você aceita se casar comigo se quiser, se não quiser tudo bem.
E pra mim a sacada mais genial dele, que mostra que ele pode até ser malandro, mas que é sincero com os sentimentos a sua musa é quando ele, depois de inventar um monte de desculpa diz: Mas você crê se quiser. Fantástico. É quase como quem diz: Você sabe que eu tô mentindo, mas não fiz nada demais, me perdoa!
É isso Seu Jorge, essa é a dúvida de Carol, que virou minha também e aposto que de um bocado de gente: Aconteceu mesmo esse monte de imprevistos? Ele faz realmente tudo pelo amor dela?
Aguardamos resposta
Mas você responde se quiser.

Grande abraço

Renato Vilar




Pretinha
(Seu Jorge)

Pretinha, faço tudo pelo nosso amor
Faço tudo pelo bem do nosso bem, meu bem
A saudade é minha dor, e anda arrasando com o meu coração
E não duvide que um dia eu te darei o céu
O meu amor junto com um anel, pra gente se casar
No cartório ou na igreja.
Se você quiser
Se não quiser tudo bem, meu bem
Mas tente compreender
Morando em São Gonçalo você sabe como é
Hoje a tarde a ponte engarrafou
E eu fiquei a pé.
Tentei ligar pra você
O orelhão da minha rua estava escangalhado

O meu cartão tava zerado, mas você crê se quiser.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Com o pau na mão

Não, eu não vou escrever algo gozando do pau dos outros, eu também tenho um. Mas afinal, quem não tem? Nos dias de hoje, mais importante do que ter uma máquina fotográfica, um celular, ou qualquer outra geringonça que bata um foto é ter um “pau de selfie”. Não basta ser selfie, tem que ser tirada com o tal pauzinho, cuja principal função é encompridar os braços do retratista, ou melhor, do auto-retratista, para que ele não apareça meio disforme, com um ombrão e um corpo pequeno.
Virou moda esse negócio de selfie. Antigamente a gente ficava pensando: vou pedir pra quem tirar essa foto da gente? Não, aquele não, meio suspeito; melhor aquela menina... Geralmente conseguíamos alguém, e o mais importante, de vez em quando fazíamos amigos, ou pelo menos colegas momentâneos. Depois, você tirava uma foto da pessoa na máquina dela, daí surgia a sugestão de um passeio para fazer, descobria-se que tinham reservado o mesmo espetáculo para a noite... e por aí ia. Ou não, às vezes a pessoa batia a foto, você agradecia e ela seguia seu rumo.
Mais uma interação humana que acabou. Nem o garçom é mais chamado para bater foto. O pau resolve. Se existisse a profissão de tirador esporádico de foto alheia, pense numa ruma de desempregado.
É tanto pau de selfie no mundo que até a ANAC entrou na história do pau. Pode embarcar com o pau na mão? Ei, fulano entrou com o pau dele, porque eu não posso entrar com o meu? O meu até menor é! O pau dele é melhor do que o meu só porque meu é da 25 de março e o dele do free shop de Miame? Mas agora tá tudo tranquilo. Liberou geral, todo mundo pode embarcar com o pau na mão e de preferência tirar umas 35 selfies antes de sentar na poltrona. Dá tempo de postar no face ou no instagram: #opauentroueaaeromoçadeixou #jaquetadentrodeixa.
O que eu acho mais interessante é que o pau, que era pra ficar escondido, para disfarçar, pra a gente achar que a foto foi tirada por um terceiro ou por um ET qualquer, pra ficar todo mundo retinho e bem postado na foto, virou personagem principal. Todo mundo posicionado e o danado do pau todo desfocado no meio da foto, estragando tudo. Vá entender! É a involução da fotografia.
Por falar em pau de selfie, o meu quebrou. Minha esposa vivia brigando comigo: Você empresta seu pau pra todo mundo. Todo mundo pega, estica, bota e vai bater por aí com ele. Vão findar quebrando. Não digo nada. Tome cuidado com seu pau. Scataploft! Quebrou! E advinha quem tava mexendo no meu pau? Ela mesma. Se fosse alguém que não tivesse costume, que se espantasse com o tamanho – ou com a falta dele – com o manejo, tudo bem, mas logo ela que conhecia ele tão bem. Mas fazer o que?
O jeito é, antes de comprar um pau novo, tirar selfie com o pau alheio. Prometo que bato com carinho.

P.S.: Ah, outra coisa que me intriga: se hoje em dia a maioria das fotos tiradas de celular são selfies, porque danado é que a resolução da câmara frontal é bem menor do que a outra? Dava pra pelo menos ser igual? #ficaadica.












Pioneiro: o britânico Arnold Hogg utiliza um bastão para se fotografar com a sua mulher, Helen, em 1926 - Alan Cleaver / ReproduçãoImagem do site http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/fotografia-de-1926-mostra-uso-pioneiro-de-pau-de-selfie-14908747#ixzz3QsJRp1NG