terça-feira, 25 de março de 2014

Pra Dani*


“Dane-se o emprego, o salário, o patrão
Dane-se o medo, a loucura, a razão
Dane-se a moda, se é brega ou “Armani”
Dane-se tudo que não tiver Dani.”


Ela tinha uma boneca. Tascou-lhe a tesoura nos cabelos da coitada que ficou com um moicano no meio e virou a punk careca de “Ié”. Anos se passaram e a menina vira mulher. Já não tosquia mais bonecas nem puxa mais a barba de vovô Inácio. É mulher feita, decida, firme, mas de uma doçura...
Dani é uma daquelas surpresas boas que o tempo e a maturidade lapidam. Sou suspeito, suspeitíssimo até. Além de tio fui elevado a condição de amigo. E como isso me orgulha. Como é bom saber que sou boa companhia pra uma menina que, como dizia Netinho, o da Bahia, carreguei no colo e cantei pra dormir.
Por falar em Netinho, ela foi protagonista de uma das cenas mais emocionantes que já vi em um show. Ele tava no auge da carreira, ela no da infância. Show no circo em Pirangi e trocentas moças e mulheres querendo subir no palco pra chegar perto do cara. Ele se aproxima da platéia para escolher a sortuda que iria subir e cantar junto a ele. Empurra daqui, grita dali, se esgoela , se descabela e ele escolhe ela que tava no cangote do pai. Netinho sentou, botou ela no colo e começou a cantar “por teu beijo” se a memória não me falha. Essa menina não parava de chorar, chega soluçava. Alisava o braço dele, olhava pro relógio “imenso” no seu pulso, mas acima de tudo, o que me marca até hoje, era o olhar de admiração. Aquele olhar abasbacado, de quem não tá acreditando que aquilo é real.
Esse olhar ela carrega até hoje e é sua marca, vitrine transparente para sua alma. Olhou, sacou. Não sei como uma pessoa consegue ser tão verdadeira com tanta candura. E não pense encontrar nela um anjinho submisso. Nada., É geniosa e decidida a danadinha. Defende com unhas e dentes o seu ponto de vista e não arreda um centímetro quando não convencida do contrário. Extremamente apaixonada pela vida, só sabe fazer, seja lá o que for, com paixão, com vontade, vestindo a camisa como diz o jargão, de preferencia se a camisa for a do ABC.
“Cada um com seus problemas” como ela diz, mas como advogada acha que resolverá o de todos. Se envolve na causa, compra a briga mesmo. É espevitada toda. Tá dando certo, tá se dando bem, mas morro de medo que ela se machuque. O direito não trata tão bem aqueles que por ele se apaixonam e acreditam ser ele sinônimo de justiça.
A vida e o seu corre-corre nos privou de um convívio mais próximo, mas depois de uma viagem recente que fizemos junto com a tropa familiar nos grudamos novamente. Fomos companheiros e cúmplices de nossas fossas longe dos amados. “O orelhão fica na saída do cais”, “tem cartão telefônico na outra esquina”, “olha que eu comprei pra ele”, “é a cara dela”, “falei com Karlinha”, “falei com ....”... Lembro da preocupação dela com a minha paixão. Será que é correspondida? Tá mais calma agora, conheceu e viu que joga no nosso time. O dos apaixonados, dos românticos, dos louco de e por amor.
Pois é, Dani. Hoje já não lhe carrego mais no colo, pois você anda com passos firmes nas trilhas deste mundo, mas lhe carrego aqui no meu coração com todo cuidado, carinho e zelo de um tio querido e com um orgulho e uma admiração parecidas com o que um dia eu vi estampadas em seus olhos de menina no colo do ídolo.
Quanto a cantar pra você dormir nem sei se me arrisco mais. Sei que outros sons embalam melhor o seu sono, mas se isso lhe faz dormir tranquila, saiba que a qualquer hora do dia ou da noite, na chuva, no sol, “no cheiro ou na catinga” como diz seu pai, você pode contar comigo, não apenas como tio, mas principalmente como um grande amigo.

Que Deus lhe abençoe.

* Não sou de repetir post. Este  tinha sido publicado no site da diginet. Mas a data e a sobrinha merecem um bis.