“Dane-se o emprego, o salário, o patrão
Dane-se o medo, a loucura, a razão
Dane-se a moda, se é brega ou “Armani”
Dane-se tudo que não tiver Dani.”
Ela tinha uma boneca. Tascou-lhe a tesoura
nos cabelos da coitada que ficou com um moicano no meio e virou a punk careca
de “Ié”. Anos se passaram e a menina vira mulher. Já não tosquia mais bonecas
nem puxa mais a barba de vovô Inácio. É mulher feita, decida, firme, mas de uma
doçura...
Dani é uma daquelas surpresas boas que o tempo e a
maturidade lapidam. Sou suspeito, suspeitíssimo até. Além de tio fui elevado a
condição de amigo. E como isso me orgulha. Como é bom saber que sou boa
companhia pra uma menina que, como dizia Netinho, o da Bahia, carreguei no colo
e cantei pra dormir.
Por falar em Netinho, ela
foi protagonista de uma das cenas mais emocionantes que já vi em um show. Ele
tava no auge da carreira, ela no da infância. Show no circo em Pirangi e
trocentas moças e mulheres querendo subir no palco pra chegar perto do cara.
Ele se aproxima da platéia para escolher a sortuda que iria subir e cantar
junto a ele. Empurra daqui, grita dali, se esgoela , se descabela e ele escolhe
ela que tava no cangote do pai. Netinho sentou, botou ela no colo e começou a
cantar “por teu beijo” se a memória não me falha. Essa menina não parava de
chorar, chega soluçava. Alisava o braço dele, olhava pro relógio “imenso” no
seu pulso, mas acima de tudo, o que me marca até hoje, era o olhar de
admiração. Aquele olhar abasbacado, de quem não tá acreditando que aquilo é
real.
Esse olhar ela carrega até
hoje e é sua marca, vitrine transparente para sua alma. Olhou, sacou. Não sei
como uma pessoa consegue ser tão verdadeira com tanta candura. E não pense
encontrar nela um anjinho submisso. Nada., É geniosa e decidida a danadinha.
Defende com unhas e dentes o seu ponto de vista e não arreda um centímetro
quando não convencida do contrário. Extremamente apaixonada pela vida, só sabe
fazer, seja lá o que for, com paixão, com vontade, vestindo a camisa como diz o
jargão, de preferencia se a camisa for a do ABC.
“Cada um com seus problemas”
como ela diz, mas como advogada acha que resolverá o de todos. Se envolve na
causa, compra a briga mesmo. É espevitada toda. Tá dando certo, tá se dando
bem, mas morro de medo que ela se machuque. O direito não trata tão bem aqueles
que por ele se apaixonam e acreditam ser ele sinônimo de justiça.
A vida e o seu corre-corre nos privou de um
convívio mais próximo, mas depois de uma viagem recente que fizemos junto com a
tropa familiar nos grudamos novamente. Fomos companheiros e cúmplices de nossas
fossas longe dos amados. “O orelhão fica na saída do cais”, “tem cartão
telefônico na outra esquina”, “olha que eu comprei pra ele”, “é a cara dela”,
“falei com Karlinha”, “falei com ....”... Lembro da preocupação dela com a
minha paixão. Será que é correspondida? Tá mais calma agora, conheceu e viu que
joga no nosso time. O dos apaixonados, dos românticos, dos louco de e por amor.
Pois é, Dani. Hoje já não
lhe carrego mais no colo, pois você anda com passos firmes nas trilhas deste
mundo, mas lhe carrego aqui no meu coração com todo cuidado, carinho e zelo de
um tio querido e com um orgulho e uma admiração parecidas com o que um dia eu
vi estampadas em seus olhos de menina no colo do ídolo.
Quanto a cantar pra você
dormir nem sei se me arrisco mais. Sei que outros sons embalam melhor o seu
sono, mas se isso lhe faz dormir tranquila, saiba que a qualquer hora do dia ou
da noite, na chuva, no sol, “no cheiro ou na catinga” como diz seu pai, você
pode contar comigo, não apenas como tio, mas principalmente como um grande
amigo.
Que Deus lhe abençoe.
* Não sou de repetir post. Este já tinha sido publicado no site da diginet. Mas a data e a sobrinha merecem um bis.