quarta-feira, 5 de abril de 2017

Cadeira de leitura

Passei na casa dele. Parei o carro em frente, bati palma e nada. Palma de novo e lá de dentro a esposa grita: Tá não, saiu. Oi Renato – foi falando já na varanda – ele foi ver uma cadeira de leitura pra ele. Eu disse que passaria de volta lá pras duas da tarde. Eram umas nove e meia da manha. Quatro horas e meia dá pra se comprar uma ruma de cadeira.
Me atrasei e passei já eram quase quatro horas. Nada dele ter chegado. Resolvi ligar pra ele então. Vai que tinha tido algum problema com o carro, com o transporte da cadeira. Poderia ser útil pra resolver alguma coisa. Falou bem aperreado comigo no celular. Só deu pra entender que estava muito ocupado escolhendo a tal cadeira de leitura. Não iria chegar em casa nem tão cedo. Pediu pra que eu dissesse à esposa que não esperasse ele pro jantar. Marcamos no outro dia logo cedo. Sete da matina em ponto, porque quinze pras oito ele tinha que sair pra academia, que ele faz diária e sagradamente às oito e trinta e cinco. Depois iria continuar a sua busca ao encontro da cadeira de leitura perfeita. Não teria mais tempo durante todo o dia.
Cheguei cinco pras sete. Ele abriu a porta pontualmente às sete. Resolvi com eles uns detalhes sobre a diagramação do meu livro e perguntei que diabos de cadeira era essa tão difícil de encontrar. Ele me contou:
“Rapaz, faz tempo que não me dedicava à literatura normal. Só tinha tempo pra ler livros técnicos. Coisas do meu trabalho ou publicações correlatas. Os romances, livros de contos ou crônicas estavam ficando cada vez mais esquecidos. Nunca tinha tempo ou disposição para ler. Passei a levá-los para as minhas viagens para o interior onde mora a minha sogra. Casinha sossegada, distante da cidade, aquele silêncio o dia todo. Acordo cedo, antes do burburinho da casa, me sento em uma cadeira no alpendre e é uma beleza. Leio o livro quase todo no fim de semana.
Tava pesquisando o motivo e descobri: A cadeira. Para ler você precisa estar confortavelmente sentado, com as pernas na posição certa, os braços devidamente apoiados, a coluna bem estabilizada, encosto pro pescoço e uma ruma de detalhes de suma importância. Só assim a pessoa consegue ler bem. A leitura vira puro prazer.”
Do jeito que ele tava falando parecia que o livro era apenas um coadjuvante. Um bom livro em uma cadeira ruim não é nada. Mas não era isso. Ele apenas conjugava o verbo ler com o corpo todo e com direito ao entorno. Tem razão, por sinal. Se não estivermos confortáveis não conseguiremos nos concentrar cem por cento na leitura.
Me mostrou uma porrada de catálogos de cadeiras e apontou duas como as melhores. Ia tirar a dúvida à tarde e jurou de pés juntos que só chegaria em casa com a cadeira comprada.
Mas não conseguiu cumprir a jura. Tinha chegado uns modelos novos e tinha embananado a leitura toda, digo, a decisão toda. Seria preciso mais uns dois dias pra escolher o modelo, depois ver com a esposa a cor pra combinar com a sala e só depois conseguiria se decidir. Saiu da última loja já umas dez da noite, enxotado pelo gerente que já tinha colocado vassoura de cabeça pra baixo atras de cada porta da loja. Saiu com mais dúvidas do que chegou, contou a esposa à noite.
Pra você não pensar que ele não faz nada, ele tava de férias.
Quarta-feira de manhã, logo depois da academia foi continuar a saga da compra da cadeira. Pra resumir, entre indas e vindas em casa para dormir, ele experimentou 37 cadeiras até sábado de meio dia. Experimentar significava ler, pelo menos, dois capítulos de um romance por cadeira, ou o correspondente a umas 30 páginas.
Mas como eu não sei se a cadeira que você está lendo essa crônica é confortável ou não, chego logo ao sábado 13:45 h, quando ele finalmente comprou a cadeira.
Ficaram de entregar na segunda-feira à tarde. Seria a primeira entrega do turno.
Passo na casa dele na terça e a esposa me recebe e me manda entrar. Ele estava lendo na sala. Encontro ele lá. Bem sentado, livro na mão, luz perfeita.
___ Finalmente a compra dessa cadeira saiu. Agora sim, você vai poder ler os seus livros de literatura numa boa. Tá lendo o que? Algum clássico? Literatura nacional? Algum lançamento?
___ Que nada. Tô aqui com uns catálogos de encosto para os pés.
E antes que eu falasse alguma coisa já foi emendando:

___ A posição dos pés na hora da leitura é muito importante, num sabe. O fluxo sanguíneo....

Um comentário:

  1. Se eu dependesse disso não teria lido metade do que li na vida...que fogacho sem quê nem pra quê!

    ResponderExcluir