terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

“Podres poderes”*

“Ou então cada paisano e cada capataz
Com sua burrice fará jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades, caatingas e nos gerais”
(Caetano Veloso)


No começo todo mundo achou o máximo. O gigante finalmente acordou! Agora a coisa vai! Vai pra aonde cara pálida? O gigante que foi pras ruas virou um boneco desgovernado - antes fosse um fantoche, manipulado por alguém que se saberia quem era. O gigante transformou-se em uma massa disforme que de tanto atirar pra todos os lados atingiu a todos, inclusive a si próprio.
As discussões começam quando se tenta colocar pontos cardeais na tendência política dos movimentos. É de direita, é de esquerda, é extrema disso, reacionária daquilo. Mas aí começam as perguntas: Em uma manifestação, dos presentes, quantos sabem se posicionar politicamente?
Vamos começar pelos nossos partidos, quem está em cada fatia desse bolo? Eu particularmente tô perdidinho. Quem eu pensava que era de um lado se mostra do outro, quem eu achava que era do outro faz coisa do lado oposto.
A culpa é do governo. É o que todos dizem pra jogar a batata quente na mão de alguém. Mas que governo? Federal, estadual ou municipal? Não interessa. A culpa é do governo e vamos botar pra quebrar. Literalmente. A desculpa depois é dizer que foram manifestações isoladas de pessoas que se infiltraram no movimento para desestabilizar as manifestações.
O que não era só pelos vinte centavos tá virando, não é só pelo patrimônio depredado, não é só pelo estabelecimento comercial particular saqueado, não é só pela vida de um trabalhador acabada... Virou casa de mãe joana, com “j” em minúsculo mesmo.
Em nome de uma tal democracia onde tudo pode, só não pode proibir, cada setor competente do estado que tire o seu da reta e quem estiver na alça de mira que se vire. Quando o estado de direito não faz direito o seu papel, o primeiro espertinho que aparece tira a venda de Têmis, chuta a sua balança e faz a vez de estado.
É assim na comunidade, onde o traficante que manda no pedaço, resolve os problemas dos moradores locais – um médico, uma cesta básica, um emprego – mas por outro lado faz as próprias leis, julga e executa; é assim no meio da floresta com os grileiros; em diversas profissões com os cartéis; e não seria diferente no meio da rua com os “black blocs”, com os mascarados, com os rolezeiros, com os “Anonymous”, com os justiceiros de plantão ou até com os manifestantes de causa verdadeira. Onde os poderes do estado estão podres, qualquer poder paralelo pode até parecer saudável, mas, por ser ilegítimo, já nasce putrefato.
Protesto, passeata, rolezinho, reivindicação, manifestação, tumultuo, baderna, quebradeira, linchamento, morte, tragédia. Como começa até pode se saber, aonde vai desembocar, Deus sabe
Um país onde os interesses eleitoreiros da esmagadora maioria dos partidos políticos estão infinitamente acima dos interesses da nação e da população, só pode dar nisso; um país onde a corrupção é praga, mas dependendo da ocasião ela é até justificada por alguns – que até se reúnem para pagar pela pena pecuniária alheia - não pode ser diferente; um país onde, na justiça, o pau que dá em Chico não toca em um dedo de Francisco, não pode caminhar em outra direção; um país onde reclamar da corrupção alheia é obrigação, mas furar fila, dar uma grana pro guarda aliviar, comprar produto pirata, falsificar carteira de estudante, receber troco a maior e não devolver é a coisa mais natural do mundo, não pode acabar bem.
Confesso que não sei qual a solução para esta zorra que virou nosso Brasil velho de guerra. Já quebraram muito, já badernaram demais, já atrapalharam a vida de muita gente e de muitas coisas; agora começou a morrer gente, e de graça. Gente de bem, trabalhador, gente da tão temida mídia. A coisa tá começando a feder. É bom que providências sejam tomadas logo. Urgente! Agora! E por quem de direito.Senão, depois de feder já sabe: finda dando em merda. E das grandes.


* Título da canção de Caetano Veloso que prefacia o texto